Algumas pessoas estão comemorando o Projeto de Lei 178/11, em tramitação na Câmara dos Deputados, que pretende punir as construtoras que atrasarem na entrega de obras. De acordo com o projeto, de iniciativa do deputado Eli Corrêa Filho, não serão admitidas cláusulas de tolerância de prazo nos contratos firmados entre construtora e comprador e, além disso, se houver atraso na entrega do imóvel, a construtora pagará uma multa de 2% (dois por cento) do valor do contrato.
Muito festejado, o projeto possui inconstitucionalidades e impropriedades técnicas e, mesmo cheio de “boas intenções”, não resolve o problema dos consumidores.
A lei prevê a nulidade da cláusula de tolerância, nos seguintes termos: “Art. 48 – A – É nula de pleno direito a cláusula ou disposição contratual que, por qualquer forma, instituir tolerância para o atraso na entrega do imóvel ou outra forma de mitigação dos efeitos da mora do fornecedor”.
Entretanto, entendemos que esse artigo é inconstitucional. Isso porque, a cláusula de tolerância em si, não é abusiva, pois a edificação de um prédio é um processo complexo, que não é tão simples como comprar um livro ou eletrodoméstico ou um aparelho celular.
Assim, podem ocorrer intempéries da natureza e fatos que configurem um atraso justificável. A título de exemplo, pense num empreendimento imobiliário que foi construído na região serrana do Rio de Janeiro, que sofreu uma grande tragédia climática. Nesse caso, mesmo que o imóvel não tenha sido diretamente atingido, se houver atraso na entrega de determinados prédios há um motivo plausível, pois a região passa por um processo de reconstrução e falta insumos, mão de obra e estrutura.
Logo, a simples existência da cláusula de tolerância não configura um abuso. O que é preciso verificar, é se há um motivo verdadeiro e comprovado que justifique a utilização do prazo de tolerância. Se não houver qualquer motivo para o atraso, a cláusula é nula e o consumidor deve ser indenizado.
O ordenamento jurídico é orientado por uma série de princípios, dentre eles o da razoabilidade, ou seja, as situações devem ser vistas com bom senso, para que não se cometa injustiças, bem como para que se alcance uma decisão adequada ao caso.
Ao falarmos em incorporação imobiliária estamos nos referindo a um emaranhado de fatores que podem levar ao atraso de uma obra, como o acabamento que muitas vezes é alterado pelo comprador etc. Por isso, a estipulação de uma cláusula contratual de tolerância é razoável, desde que não seja abusiva, como é a de 180 dias.
A cláusula de tolerância a nosso ver viola o disposto no artigo 51 do Código de Defesa do Consumidor:
Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:
IV – estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade;
§ 1º Presume-se exagerada, entre outros casos, a vontade que:
I – ofende os princípios fundamentais do sistema jurídico a que pertence;
II – restringe direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto ou equilíbrio contratual;
III – se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso.
A partir do que dispõe o CDC fica nítido que a cláusula de tolerância somente coloca o consumidor em situação de desvantagem exagerada, incompatível com a boa-fé e equidade. Assim, a cláusula que preveja 60 dias de atraso não onera excessivamente o consumidor, ao contrário da que disponha 180 dias.
Devemos pontuar, ainda, que é da natureza do contrato de compra e venda de imóvel na planta o fator construção/edificação, que como dito é altamente complexo, não é como construir castelos na praia. Por isso, é da peculiaridade do contrato e das suas características possíveis atrasos justificáveis, que desde o fechamento do negócio as partes deixam ajustadas. Não podemos que o CDC tem como objetivos proteger o consumidor e regular o mercado de consumo, o que implica em garantir equidade das relações entre fornecedor e comprador.
Ademais, a lei fere o princípio da segurança jurídica e o da livre inciativa, pois qual o construtor terá coragem de incorporar tendo que assumir uma demanda judicial se atrasar a obra em 15 dias por exemplo. O projeto de lei cria na verdade uma briga entre consumidores e incorporadores por pura falta de bom senso.
Por outro lado, quando a construtora excede abusivamente no prazo de entrega ela é obrigada a provar em juízo algum motivo plausível para o atraso, sendo que na maioria das decisões judiciais elas tem sido condenadas por atrasarem e muito a obra, sendo que em alguns casos a cláusula de tolerância é considerada abusiva por prever os 180 dias. Na nossa humilde opinião muito provavelmente o consumidor que demandasse contra a construtora por um atraso de 60 dias teria sua demanda sido julgada improcedente, pois é razoável tal atraso.
MULTA QUE LESA O CONSUMIDOR
O projeto contém outro equívoco, que é o da multa de 2% em caso de atraso na entrega do imóvel sendo acrescida de 1% ao mês e atualização monetária. Num exemplo simples, se um apartamento no valor de R$ 100.000,00 for entregue com atraso de 10 meses, de acordo com o projeto o consumidor receberia indenização inferior a R$ 3.000,00.
Ocorre que o valor do aluguel normalmente representa de 0,5 a 0,7% do valor do imóvel, o que significa que se o comprador ficar 10 meses sem o imóvel e tiver que pagar aluguel de outro, gastará aproximadamente R$10.000,00 apenas de aluguel.
É por isso que os Tribunais entendem que, ao atrasar na entrega de imóveis vendidos na planta, a construtora deve pagar uma multa mensal de 1% a mês sobre o valor do contrato, de modo o período que o consumidor ficou impedido de utilizar sua propriedade.
IMPROPRIEDADE TÉCNICA
O projeto de lei insere na Lei de Incorporações 4.591/64 conceitos do Código de Defesa do Consumidor, ao utilizar as palavras “consumidor” e “fornecedor”. Do ponto de vista da técnica legislativa não é adequado a utilização de figuras/sujeitos jurídicos em legislações especiais, já que sua matéria é específica. Assim, os sujeitos da Lei de Incorporações são o incorporador, o promitente comprador, o cessionário, o adquirente etc, sendo inadequado ser tratado de consumidor, pois há a incorporação por administração que em nada se confunde com o caso.
É evidente que a Lei de Incorporações é utilizada como amparo legal para pretensões de consumidores contra as construtoras, mas daí surgir a figura do “consumidor” nesta lei, a nosso sentir é uma impropriedade técnica que merece ser reparada.
CONCLUSÃO
O fato de o legislador ter se preocupado com a questão é sinal que o problema tomou proporções e reflexos sociais e econômicos dignos de regulação legal, pois é injustificável o descaso das construtoras com os consumidores que sofrem com o atraso no recebimento de patrimônio. Mas as críticas devem ser feitas. O projeto não ajuda o consumidor mas atrapalha do ponto de vista que o juiz ao julgar um caso concreto deverá aplicar a multa de 2%, e não a 1% ao mês que garante uma indenização maior e mais justa pelo impedimento de uso do bem. A lei vai na contramão do que tem assentados tribunais que o pagamento da cláusula de fruição deve ser de um 1% ao mês do valor do contrato e atinge de morte os direitos dos consumidores.
Antônio Aurélio de Souza Viana
Advogado
Sócio do Escritório Viana e Cunha Advocacia e Consultoria Imobiliária
Afiliado ao IBEI – Instituto Brasileiro de Estudos Imobiliários
Membro da ABAMI
Tiago Soares de Oliveira Cunha
Consultor em Incorporações e Negócios Imobiliários
Consultor em Gestão e Administração de Condomínios
Sócio do Escritório Viana e Cunha Advocacia e Consultoria Imobiliária
Afiliado ao IBEI – Instituto Brasileiro de Estudos Imobiliários